De tempos em tempos, me assombra a memória alguma profecia barata que alguém fez sobre o meu futuro em ocasiões passadas. A da vez foi feita pelo ex-namorado da irmã de uma amiga, em uma festa de formatura na então quente e distante Ribeirão Preto. Estávamos nós, convidados, confabulando inebriados pela bebida de qualidade duvidosa e pelo tom festivo da ocasião, quando este rapaz, um reggaeman avesso a pagar suas contas em dia e entusiasta de uma boa confusão dirigiu-se a mim. Detalhe: eu só o conhecia de vista e nunca fiz questão de passar disso, já que sua fama não era das melhores entre a facção que eu convivia. O rapaz em questão travou contato verbal logo dizendo que sempre ouvia falar bem sobre mim. "Todo mundo diz que você é gente boa pra caralho". Confesso que fiquei satisfeito com a constatação, pois sempre fugi das confusões sociais e focado em dar o mínimo de trabalho possível a quem quer que fosse. Ele continuou a conversa com mais alguns elogios baratos que não me lembro e, em tom profético, segurou em meu ombro e disse "o que é seu tá guardado". Aquele clichezão manjado que nunca sei se é uma maldição ou um alento. Enfim. Terminamos aí o breve diálogo, já que a formanda chegou em nossa mesa e voltamos as atenções para ela.
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Passado algo em torno de duas décadas da ocasião, me pego acordando às 5h40 para preparar o café da manhã para minha companheira e minha enteada e essa lembrança me veio à cabeça, do nada. Daí pensei no quanto a vida tem sido feliz desde que formamos uma pequena família e fomos morar juntos. Confesso que ver minha namorada ali, dormindo ao meu lado e sua filha que agora é minha também, abraçada em axolote de pelúcia no outro quarto, me causou um regozijo. A única coisa que me incomoda, às vezes, é achar que não mereço tanto, síndrome do impostor e afins. Mas, aí me veio à mente a profecia do guerreiro do reggae afastando por ora a culpa católica. Será que era isso que estava guardado pra mim? Seria o regueiro um profeta de Jah Rastafari? Sinceramente, espero que sim, pois, depois de uma vida amorosa pífia, amar e me sentir amado aos cinquenta anos é reconfortante. Me bastaria isso, se viver em sociedade não custasse tão caro. Mas deixo aqui meu abraço fraterno a esse vaticinador que, no chute, cravou algo bom a meu respeito sem nem me conhecer direito. Que algo bom pra você também esteja guardado, guerreiro. E que tenha chegado em tempo.